domingo, 19 de outubro de 2014

Inflação no teto eleva indexação de salários

Falta de credibilidade do BC e baixo desemprego reforçam pressão por reajustes maiores, alertam especialistas

Ao deixar a inflação beirar o teto da meta nos últimos anos, o governo tornou ainda mais difícil a tarefa de combater a alta dos preços no país. Especialistas avaliam que há um novo tipo de indexação informal na economia por causa de três fatores: a falta de credibilidade do Banco Central (BC), as expectativas de inflação em alta e o baixo desemprego. Sem saber qual será a elevação de preços no ano seguinte, já que o BC não consegue trazer o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, que mede a inflação oficial) para o centro da meta, de 4,5%, os trabalhadores pedem valores muito altos em suas negociações salariais. Esse aumento da renda realimenta a inflação.

Este ano, os pedidos de reajustes de algumas categorias ficaram na casa de dois dígitos. Esse foi, por exemplo, o caso dos bancários, que reivindicaram um aumento de 12,5% em 2014 e acabaram levando 8,5%. Os petroleiros, por sua vez, pleitearam 18% à Petrobras e conseguiram 6,5%.

BC: PREOCUPAÇÃO COM ‘DINÂMICA SALARIAL’

O próprio BC demonstra preocupação com o efeito da alta dos salários na inflação. Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o BC afirma que “a dinâmica salarial ainda permanece originando pressões inflacionárias de custos”. Na visão da cúpula do BC, o desemprego num patamar baixo como o atual, em 5% nas seis principais regiões metropolitanas, força os empresários a concederem aumentos salariais acima da produtividade. Ou seja, o patrão prefere arcar com um reajuste salgado do que se arriscar na busca e no treinamento de um novo funcionário, já que não há mão de obra disponível no mercado.

Quando a taxa de desemprego está alta, o empresário prefere demitir e contratar por salário mais baixo. Não é o caso agora. E, como ninguém acredita que o atual Banco Central leve a inflação para a meta de 4,5%, os trabalhadores já começam uma discussão com base na aposta do que deve ser a inflação no ano, ou seja, na casa dos 6% a 7% — analisa o especialista em mercado de trabalho José Márcio Camargo, professor do departamento de Economia da PUC-Rio e economista da Opus Gestão de Recursos.

A persistência da inflação tornou mais custoso o combate à alta dos preços, pois indexou mais os salários. Isso mostra a perda de confiança na estabilidade econômica — afirma o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega.

O professor da PUC-Rio e especialista em inflação Luiz Roberto Cunha lembra que o Brasil ainda é um país traumatizado pela hiperinflação, o que contribui para que haja uma indexação da economia:

O fator econômico e cultural é muito importante. Os brasileiros ainda buscam se proteger da inflação, porque se lembram do que era viver num período de descontrole de preços. E, quando você tem cinco anos de inflação resistentemente alta e uma impressão de que o governo foi leniente com a política monetária, é normal que se busque proteção por meio de uma indexação.

EFEITO SOBRE EXPECTATIVAS

Sobre as negociações salariais, Cunha afirma que as categorias costumam pedir reajustes acima da inflação porque sabem que, se recorrerem à Justiça, vão levar, pelo menos, a correção dos índices de preços.

É comum que a Justiça do Trabalho conceda às categorias, pelo menos, a inflação do ano anterior. Isso não existe em outros países e é, sim, um fator de indexação — afirma o professor da PUC.

Cunha lembra ainda que outros países da América Latina têm meta de inflação mais baixa que a brasileira porque suas economias são muito menos indexadas:

São economias diferentes, onde não existe um cenário como o brasileiro. No Brasil, até o salário mínimo é indexado.

Para o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, o remédio é recuperar a credibilidade da autoridade monetária. Para isso, seria necessário mostrar para as famílias brasileiras e para o empresariado que a meta será cumprida e que o BC não flertará com o teto. Atualmente, o IPCA acumula uma alta de 6,75% em 12 meses, acima do teto de 6,5% para o ano.

Dada a situação que a gente tem hoje, voltar para os 4,5% é o início — avalia Schwartsman.

A ideia é apoiada por Camargo, Maílson e pelo professor da Trevisan Escola de Negócios Alcides Leite. Eles sugerem que o próximo governo trabalhe para que a inflação convirja para o centro da meta, de 4,5%, o mais rápido possível.

Isso tem um efeito sobre as expectativas e ajuda a reduzir os índices de preços. O Peru, por exemplo, tem uma meta de 2% e cresce mais que o Brasil. Assim como o Chile e o México — observa Maílson.

Fonte: O Globo

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