Há passageiros clandestinos potencialmente perigosos em todos os aviões que pegamos. Eles podem ser encontrados na primeira classe ou na classe econômica, acomodados em sua poltrona ou na mesinha à sua frente.
Os micróbios que os passageiros transportam involuntariamente podem ser um problema para as companhias aéreas. Como elas podem garantir que seus aviões estejam sempre limpos a cada novo voo? E o que fazer para evitar uma contaminação quando viajamos?
Nossas experiências pessoais podem sugerir que algumas empresas não prestam muita atenção na limpeza. Eu mesma já penei em um longo voo transatlântico, com escala, em um avião que claramente não via uma boa faxina havia várias semanas.
"O problema começa com a presença contínua de um grande grupo de pessoas", explica James Barbaree, diretor do Centro de Detecção e Segurança Alimentar da Universidade Auburn, nos Estados Unidos. "Todos nós levamos micróbios na pele, nas roupas e dentro do corpo. Alguns deles são transmitidos para outros seres humanos, e essas bactérias conseguem se multiplicar em locais sujos."
No ano passado, Barbaree e seus colegas publicaram os resultados de um estudo de dois anos, que mostrou que bactérias perigosas coma SARM, a E. coli e aStreptococcus pyogenes podem sobreviver por vários dias em superfícies - como descansos de braço e bolsos das poltronas, mesinhas, cortinas e as maçanetas e alavancas dos toaletes.
A equipe de cientistas conseguiu mostrar que a SARM, também chamada de "superbactéria" por sua resistência a antibióticos, pode sobreviver até 168 horas no material do qual os bolsos das poltronas são feitos. Já a variação da E. coli que causa insuficiência renal resistiu por 96 horas nos descansos de braços.
Lucros ou saúde dos clientes?
O problema fundamental é que as companhias aéreas enfrentam dificuldades para conciliar dois objetivos conflitantes: por um lado, elas se empenham para dar a melhor atenção ao cliente; por outro, precisam aumentar seus lucros – e conseguem isso colocando cada vez mais gente a bordo e encurtando o intervalo entre os voos.
"Limpar um avião de passageiros com eficiência é uma tarefa que pressupõe um longo planejamento, além de pessoal, logística e metas de prioridade", afirma Adam Taylor, vice-presidente-executivo da Air Serv, empresa que oferece serviços para a aviação civil, incluindo a limpeza.
A Air Serv registra dados em tempo real de seus clientes para saber quando os aviões vão aterrissar, em qual portão e por quanto tempo ficarão em terra. Dessa maneira, a empresa coordena a disponibilidade de faxineiros e equipamento de limpeza. Com a ajuda de aparelhos dotados de GPS, a Air Serv rastreia e monitora as faxinas.
Outras companhias oferecem sistemas semelhantes. A americana Huntleigh tem o cE-Clean, sistema que registra o desempenho de cada membro da equipe de limpeza e dá aos clientes acesso em tempo real à duração das faxinas e sua qualidade.
A maneira como cada avião é limpo depende de seu modelo, claro, mas também se ele está destinado a um voo de curta ou longa distância, seu tempo em solo, o destino e a última vez em que recebeu uma faxina completa.
Segundo Taylor, os horários de chegada, a previsão do tempo e os horários de decolagem também influenciam no serviço. Voos domésticos, por exemplo, normalmente voltam a decolar rapidamente. Portanto há menos tempo para limpar esses aviões do que aqueles que vão para outros continentes.
Primeira classe primeiro
Sob essas circunstâncias, o avião recebe uma "limpeza básica". Como há pouco tempo para a faxina, a equipe se concentra nas áreas de alta prioridade, ou seja, a primeira classe e a classe executiva. Banheiros e espaços para a preparação de refeições também recebem atenção redobrada.
O resto do avião recebe uma rápida ajeitada no final – os faxineiros normalmente passam aspirador, retiram o lixo e, idealmente, limpam as mesinhas com uma solução antibacteriana. As poltronas da classe econômica, nesses voos, provavelmente continuarão como estão até que haja tempo para uma limpeza mais detalhada.
Quando uma aeronave passa a noite em um aeroporto recebe uma faxina mais completa, chamada de "Remain Overnight" ou RON.
Por fim, há o que se chama de limpeza profunda, que é quando a faxina envolve lavar e esfregar toda a cabine com água e sabão. Isso normalmente é feito em uma mudança de turno.
"Cada companhia aérea tem seus próprios procedimentos de limpeza, além de especificações sobre o tipo de faxina que querem, dependendo do tempo disponível", afirma Taylor.
A alemã Lufthansa, por exemplo, faz uma limpeza profunda de seus jatos depois que cada um completa 500 horas de voo. Já na Singapore Airlines, os aviões recebem uma faxina uma vez por mês, que inclui também a limpeza de partes técnicas, como os sistemas de ventilação.
Quando a equipe de limpeza chega, eles estão prontos para aquele tipo de aeronave, tempo em solo e destino. Mesmo assim, eles sempre trabalham contra o relógio. Um voo doméstico pode precisar de 40 minutos de faxina, enquanto um grande avião de voos intercontinentais chega a passar cinco horas sendo limpo, segundo Taylor.
"Normalmente leva duas horas para limpar um A380 com oito faxineiros, durante uma parada típica no aeroporto de Frankfurt", afirma um porta-voz da Lufthansa.
Atenção aos banheiros
Não por acaso, os banheiros recebem especial atenção das equipes de limpeza. Eles são pequenos, mas como são usados com extrema frequência, acabam sendo vítimas do que Taylor chama de "deterioração da qualidade" durante um voo.
Mas nem todas as companhias aéreas realizam uma boa limpeza dos toaletes entre um voo curto e outro. "Alguns aviões voam duas ou três pernas sem terem os banheiros limpos", conta Lars Barsoe, da Vestergaard, empresa sediada nos Estados Unidos que projeta e faz a manutenção de equipamentos para aeroportos.
Isso pode levar a casos de "o barato que sai caro". Se os tanques de resíduos não são esvaziados, o peso extra pode resultar em mais gasto de combustível. E se eles ficarem completamente lotados e o banheiro tiver que ser interditado, a tripulação terá que lidar com muitos passageiros insatisfeitos.
Algumas fabricantes de aeronaves, como a Boeing, projetam seus sistemas para que haja menos "água azul" circulando no sistema, o que deixa mais espaço para o lixo. "Mas esse tipo de eficiência também exige mais em termos de limpeza para evitar odores desagradáveis", diz Barsoe.
Limpar e desinfetar o interior de um banheiro requer produtos especiais e, normalmente, leva menos de 10 minutos. A faxina no exterior do toalete acrescenta mais 10 ou 15 minutos. Os métodos de limpeza de hoje são praticamente os mesmos de 25 anos atrás, mas hoje os faxineiros podem ser monitorados com mais eficiência.
Toque pessoal
A Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA, na sigla em inglês) recomenda a suas companhias aéreas afiliadas que os toaletes sejam mantidos "totalmente limpos".
Mas, de maneira geral, os padrões para a limpeza dos aviões não são claros. Segundo Taylor, cada companhia aérea é quem tem que estabelecer seus próprios padrões de qualidade.
Para Barbaree, isso não é suficiente. "Precisamos ter mais parâmetros no que se refere à limpeza das cabines de aviões comerciais. Precisamos melhorar nossos protocolos de limpeza e adotar regras para minimizar as chances de transmissão de bactérias e vírus", afirma.
Nas mãos dos passageiros
E o que os passageiros podem fazer para diminuir suas chances de apanhar algum germe durante um voo? Uma das atitudes mais simples é também a mais óbvia: lavar as mãos após usar o banheiro, segundo Michael Zimring, diretor de Medicina de Viagem na clínica Mercy, em Baltimore.
As maçanetas dos toaletes costumam ser um local cheio de germes - uma má notícia para quem gosta de usar o banheiro antes de comer. O problema pode ser resolvido trazendo um pequeno frasco de detergente à base de álcool, e usando uma toalha de papel para abrir a porta.
"Quando se levantar para dar uma volta nos corredores, use um sabonete sem água para lavar as mãos", recomenda Zimring. Lencinhos umedecidos também podem ser úteis para limpar as mesinhas, ainda mais porque alguns passageiros costumam usá-las para trocar fraldas.
E, finalmente, não se esqueça de se manter hidratado, tomando bastante água.
Mas talvez não precisemos criticar ferozmente as companhias aéreas. Seus aviões são limpos regularmente.
O mesmo não pode ser dito de nossos carros, por exemplo, ou até celulares e tablets, que usamos todos os dias.
Nós temos que dividir nosso mundo com os germes – cabe a cada um de nós fazer um pouco mais para manter esses seres à distância.
Fonte: BBC Brasil