sexta-feira, 21 de setembro de 2012

No meu lucro da Aché ninguém mexe

A segunda geração das três famílias fundadoras do laboratório Aché assume o comando. A dúvida: vale a pena mudar uma empresa que pagou 895 milhões de reais em dividendos em quatro anos?

Laboratório do Aché, em São Paulo

A sucessão de gerações em empresas familiares pode mover placas tectônicas. Por décadas, as forças da mudança ficam represadas pela presença da geração antiga. É quando os mais novos assumem o negócio que velhas opiniões se transformam em atitudes que podem alterar o rumo das coisas.

Quando essa transição acontece num gigante como o laboratório farmacêutico Aché, é natural que traga doses um pouco maiores de expectativa. Fundado em 1965 por três executivos do setor, o Aché foi, por muito tempo, o maior laboratório do país. Tudo ia muito bem até que os três fundadores decidiram ir à guerra.

Em 2001, discordâncias sobre os rumos da empresa levaram os sócios a trocar acusações de falsificação de documentos e arrombamento. A década seguinte foi de relativa harmonia, sobretudo se comparada ao arranca-rabo que quase rachou o laboratório em dois.

Pois o ano de 2012 representa um marco na história do setor farmacêutico brasileiro. Após a morte de Victor Siaulys e de Antônio Depieri, em 2009, os filhos assumiram suas vagas no conselho de administração. E, em 2012, o outro fundador, Adalmiro Baptista, deixou o conselho (atualmente é presidente honorário do conselho). A partir de agora, a segunda geração manda. As placas tectônicas vão se mover?

Olhando ao nível da superfície, o Aché vive uma espécie de era de ouro. Na última década, a empresa triplicou de tamanho — faturou 1,4 bilhão de reais em 2011. A margem de lucro atingiu o recorde de 27% no ano passado. E o Aché dá muito, mas muito dinheiro a seus acionistas.

Nos últimos quatro anos, a distribuição de dividendos foi de 895 milhões de reais às três famílias. Talvez ainda mais espantoso seja o fato de que os dividendos pagos em 2012 representem 98,5% do lucro do Aché no ano anterior. É um nível anormal de retorno ao acionista num setor tão competitivo e dependente de investimentos quanto o farmacêutico.

A rival Eurofarma, do mesmo porte do Aché, limita seus dividendos a 6 milhões de reais por ano. Esse nível de retorno só significa uma coisa: para os controladores, entre investir no Aché e investir em outros negócios, melhor partir para a segunda opção. “Outras farmacêuticas são menos rentáveis porque investem mais”, diz o dono de um laboratório concorrente. “Lá, a missão da empresa é clara: gerar dividendos para os acionistas já.”

Não há, claro, nada de errado em investir menos e ganhar mais dinheiro com um negócio: controladores de uma empresa de capital fechado fazem com ela o que bem entendem.

Aquisições no setor, por exemplo, têm saído a preços elevadíssimos e os retornos têm sido duvidosos. Mas, segundo EXAME apurou, a “era de ouro” do Aché não é unanimidade entre as três famílias que controlam a empresa. A insatisfação se concentra no clã liderado por José Luiz Depieri.

Segundo executivos próximos às famílias controladoras, Depieri defende que o Aché deixe de ser uma vaca leiteira para seus acionistas e assuma o papel de consolidador do mercado nacional — ou mesmo que faça uma associação com um laboratório estrangeiro. Ainda de acordo com esses executivos, Depieri sonha grande; as outras famílias estão felizes com a situação atual.

Um elemento faz com que essa diferença de opiniões seja de difícil solução. Em 2003, os controladores assinaram um acordo segundo o qual decisões que alterem a sociedade têm de ser aprovadas por 80% dos acionistas. Como cada clã tem 33,3% das ações, isso significa que vender, comprar ou abrir o capital são movimentos que precisam do apoio das três famílias.

“Esse acordo engessa o Aché”, diz um executivo próximo aos Depieri. Entre os negócios que o Aché esteve perto de fazer, mas não fez, estão a compra das rivais Medley e Mantecorp, a abertura de capital (sempre defendida por Depieri) e uma sociedade com a britânica GlaxoSmithKline — que, segundo executivos que acompanharam as negociações, esteve perto de caminhar para a venda de uma participação no Aché para os britânicos.

A cúpula do laboratório chegou a negociar a compra da empresa de cosméticos Jequiti, mas o conselho reprovou a ideia. Para Depieri, esse engessamento faz com que o Aché perca oportunidades de crescimento num mercado em expansão. Nos últimos quatro anos, enquanto os sócios se esbaldavam com seu quase 1 bilhão em dividendos, os rivais avançaram.

A receita líquida do Aché cresceu 30% no período. Muito menos que Hypermarcas (250%), EMS (90%) e Eurofarma (70%). Os Depieri se dizem interessados em comprar a participação das outras famílias, possivelmente com dinheiro de um sócio de fora; mas a resposta é sempre “não, obrigado”.

O que justifica essa atitude dos controladores do Aché? Segundo concorrentes, ex-funcionários e amigos das três famílias, vem acontecendo com o laboratório algo comum a muitas empresas que passam dos fundadores para a segunda geração — que nem sempre compartilha a mesma paixão pelo negócio.

O clã Baptista, por exemplo, criou um gigante do ramo imobiliário com os dividendos do Aché, a Partage. Trata-se de um pequeno império com dezenas de prédios e salas comerciais, três shopping centers prontos e quatro em construção. A família recebe mais de 200 milhões de reais pelos aluguéis dos imóveis a cada ano.

Mesmo descontado o imposto de renda, é mais que sua fatia nos dividendos do Aché. Como os Baptista, os Siaulys também usaram o dinheiro que veio do laboratório para investir ao longo dos anos no setor imobiliário.

Jonas, um dos três filhos de Victor Siaulys, comanda a holding Marvic’s, que tem em seu portfólio os hotéis de luxo Unique, em São Paulo, e Unique Garden, em Mairiporã, no interior do estado. Endinheirados desse jeito e com um laboratório que paga tantos dividendos, é compreensível que os sócios do Aché resistam em mudar o que vem dando certo.

Até quando essa resistência vai durar? É inegável que, embora tenha crescido menos, o Aché chega a essa nova fase repleto de saúde. Ao não fazer aquisições destrambelhadas, a empresa manteve sua dívida sob controle. Encher o caixa de dinheiro também não faz muito sentido num ambiente de juros em queda.

“Hoje, a empresa não tem o que fazer com tanto dinheiro”, diz José Ricardo Mendes da Silva, presidente do Aché. A dúvida é se o cenário benigno dos últimos anos vai se manter. A união das redes de farmácia está criando gigantes do varejo, como RaiaDrogasil e DPSP (formada após a fusão de Pacheco e Drogaria São Paulo).

É inexorável: a concentração no varejo leva à concentração na indústria, que precisa se fortalecer para manter seu poder de barganha. Os executivos do Aché sabem que a tendência do mercado brasileiro é crescer menos daqui em diante, o que forçará o investimento em inovação e aquisições, algo que não combina com o pagamento de 98,5% do lucro em dividendos.

Segundo especialistas em fusões, essa combinação pode incentivar a criação de um gigante nacional — com a bênção do governo, que recentemente deu o primeiro passo nesse sentido. A criação da Bionovis, joint venture formada por Aché, EMS, Hypermarcas e União Química, tem como objetivo declarado investir na pesquisa biotecnológica.

Ninguém duvida que a ideia do governo é juntar ao menos duas delas. Aché e Hypermarcas, por exemplo, tiveram conversas preliminares no ano passado para uma possível fusão. Para a cúpula do Aché, uma união com um rival forte em genéricos, como a EMS, também faria sentido. Basta querer.

Fonte: EXAME

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